Estudo sobre 1 Coríntios 7:1-40

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Estudo sobre 1 Coríntios 7
COMPLETO ASCETISMO
Estudo sobre 1 Coríntios 7:1-2

Já vimos que no pensamento grego havia uma forte tendência a desprezar o corpo e as coisas do corpo. Essa tendência podia dar lugar a uma posição em que os homens dissessem: "O corpo não tem importância absolutamente; portanto podemos fazer o que quisermos com ele; pelo qual dá no mesmo deixar que ajam livremente seus instintos e apetites." Mas essa mesma tendência podia dar lugar a uma perspectiva totalmente oposta. Podia fazer com que o homem dissesse: "O corpo é pecaminoso, portanto devemos sujeitá-lo; devemos destruir, e se isso não é possível, negar completamente, todos os instintos e desejos naturais do corpo."

Paulo se refere a esta outra forma de ver as coisas nesta passagem. Os coríntios, ou ao menos alguns deles, tinham sugerido que se um homem queria ser cristão no sentido mais completo da palavra, devia rechaçar todo o físico, e negar-se a contrair casamento.

A resposta de Paulo foi muito prática. Com efeito disse: "Lembrem o lugar em que estão vivendo; lembrem que vivem em Corinto onde não se pode andar pelas ruas sem ser tentado. Lembrem que contam com uma constituição física e instintos sãos que a natureza lhes outorgou. Farão muito melhor em se casar que em cair no pecado."

Esta pareceria uma pobre consideração do casamento. Era como se Paulo aconselhasse o casamento para evitar um destino pior. Em realidade está enfrentando os atos de maneira severa e honesta. Está estabelecendo uma lei que é universalmente certa. Ninguém teria que tentar levar uma vida para a qual a natureza não o preparou, ninguém teria que empreender um caminho no qual se rodeou deliberadamente de tentações. Paulo sabia muito bem que nem todos os homens estavam feitos da mesma maneira. Disse: "Examinem-se a si mesmos e escolham o modo de vida em que considerem que poderão viver melhor como cristãos, e não tentem obter um nível antinatural impossível e até equivocado sendo tais como são "

O COMPANHEIRISMO NO CASAMENTO
Estudo sobre 1 Coríntios 7:3-7

Esta passagem surge de uma sugestão procedente de Corinto, que dizia que se os casados queriam ser realmente cristãos deviam abster-se de manter relações sexuais. Esta é outra manifestação da linha de pensamento que considerava o corpo e todos seus instintos e desejos como essencialmente pecaminosos. Disto Paulo extrai um grande princípio. O casamento é uma sociedade. O marido não pode agir independentemente de sua mulher, nem esta de seu marido. Devem agir sempre juntos. O marido não deve considerar nunca a sua mulher como um meio para gratificação, deve considerar o casamento como uma relação tanto física como espiritual, como algo no que ambos encontram gratificação e a satisfação mais plena de todos seus desejos. Em tempos de disciplina especial, de prolongada e fervente oração, poderia convir deixar de lado todas as coisas do corpo, mas isso deve fazer-se de mútuo acordo e só por um tempo, ou seria simplesmente dar lugar a uma situação que facilitaria a tentação.

Mais uma vez Paulo parece menosprezar o casamento. Este —sugere — não é um mandamento ideal, é uma considerada concessão à fraqueza humana. Preferiria como ideal que todos fossem como ele Como era ele? Só podemos deduzi-lo.

(1) Podemos estar bastante seguros que em algum momento Paulo esteve casado. Podemos estar nos baseando em informação geral. Paulo era um rabino e ele mesmo destacava que não tinha faltado a nenhum dos deveres que a lei e a tradição judias estabeleciam. As crenças ortodoxas judias consideravam o casamento como uma obrigação. Se um homem não se casava e não tinha filhos se dizia que havia "matado a sua posteridade", "que tinha diminuído a imagem de Deus no mundo". Dizia-se que sete eram excomungados do céu, e a lista começava com "O judeu que não tem esposa; ou que tem esposa mas não filhos". Deus havia dito: "Crescei e multiplicai-vos", e portanto ao não casar-se nem ter filhos se estava transgredindo um mandamento positivo de Deus. Considerava-se que a idade para contrair matrimônio era dezoito anos; e portanto é extremamente improvável que um judeu tão ortodoxo e devoto como tinha sido Paulo não se casou.

(2) Também há evidências de que Paulo tinha estado casado em informações particulares. Deve ter sido membro do Sinédrio porque disse que tinha votado contra os cristãos (Atos 26:10). Era obrigação que os membros do Sinédrio estivessem casados, devido ao fato de que se pensava que os homens casados eram mais misericordiosos. Pode ser que a esposa de Paulo tivesse morrido; mais provável ainda é que o tivesse abandonado e destruído seu lar quando se fez cristão, de modo que em realidade ele tinha deixado tudo por Cristo. De qualquer maneira apagou essa parte de sua vida para sempre e nunca mais se casou. Um homem casado não poderia ter vivido viajando como o fez Paulo. Seu desejo de que outros agissem idealmente como ele provém do fato de que esperava que a Segunda Vinda se produzira logo; o tempo era curto e as ataduras terrestres e as coisas físicas não deviam importar nem interferir. Em realidade, não é que Paulo despreze o casamento; o que acontece é que está insistindo em que o homem deve concentrar-se em estar preparado para a vinda de Cristo.

O VÍNCULO QUE NÃO SE DEVE ROMPER
Estudo sobre 1 Coríntios 7:8-16

Esta passagem se refere a três grupos diferentes de pessoas.

(1) Refere-se aos solteiros ou aos viúvos. Dentro das circunstâncias de uma era, que como Paulo pensava, estava chegando a seu fim, seria melhor que permanecessem tal qual estavam; mas mais uma vez, adverte-os que não devem cortejar a tentação, nem prolongar uma situação que seria muito perigosa para eles. Se sua natureza for naturalmente apaixonada devem casar-se. Paulo estava sempre seguro de que ninguém pode estabelecer uma norma comum para todos. Tudo depende das pessoas envoltas.

(2) Refere-se àqueles que estão casados. Paulo proíbe o divórcio e o faz sobre a base de que Jesus o proibia (Marcos 10:9; Lucas 16:18). Se existir tal separação, Paulo proíbe um novo casamento. Pode nos parecer uma doutrina severa, mas em Corinto com sua lassidão característica, era melhor que as normas fossem tão altas que nada pertencente à vida relaxada pudesse entrar na Igreja.

(3) Refere-se ao casamento de crentes e não crentes. Paulo deve dar seu próprio ponto de vista sobre este aspecto, devido ao fato de que não podia referir-se a nenhum mandamento definido de Jesus. A raiz de tudo isto é que devia haver alguns em Corinto que consideravam que um crente não devia viver com um que não o fosse; e que, se um membro do casal se convertia e o outro continuava sendo pagão, deviam separar-se. Em realidade uma das grandes queixas dos pagãos contra o cristianismo era precisamente o que destruía as famílias e era uma influência desorganizadora da sociedade. Uma das primeiras acusações que surgiram contra o cristianismo foi a de "entremeter-se nas relações domésticas" (1 Pedro 4:15.).

Algumas vezes os cristãos tomavam posições muito altivas. "Quais são seus pais?", perguntou o juiz a Luciano de Antioquia. "Sou cristão", respondeu Luciano, "e os únicos parentes dos cristãos são os santos."

Sem dúvida alguma os casamentos mistos traziam problemas. Tértulo escreveu um livro a respeito deles em que descreve a um marido pagão que está zangado com sua esposa cristã porque "por visitar os irmãos vai pelas ruas às casas de outros homens, em especial pobres ... Não se permite estar ausente toda a noite em reuniões noturnas nem nas celebrações pascais... nem que vá à a prisão para beijar as ataduras de um mártir, nem sequer que beije a alguns dos irmãos." (Na igreja primitiva os cristãos se saudavam com o beijo sagrado da paz.) Em realidade, é difícil não compreender o marido pagão. Paulo se referiu ao problema com uma grande sabedoria prática. Conhecia as dificuldades e se negou a aumentá-las e exacerbá-las. Disse que se os dois podiam concordar em viver juntos devia permitir-se que o fizessem, mas se desejavam separar-se e encontravam intolerável o viver juntos, devia permitir-se que o fizessem, visto que um cristão não devia ser escravo

Paulo diz duas coisas que têm um valor permanente.

(1) Pensa com amor que o membro do casal que não crê é consagrado pelo crente. Eles duas são uma só carne e o maravilhoso é que nesses casos a graça do cristianismo ganha a vitória e não a corrupção do paganismo. Há algo ao redor do cristianismo que envolve a todos os que estão em contato com ele. Um menino nascido em um lar cristão, até em um lar em que um só dos pais é cristão, nasceu na família de Cristo. Num casamento entre um crente e um não crente, não é aquele que crê o que entra em contato com o reino de pecado, é o não crente o que entra em contato com o reino da graça.

(2) Também pensa com amor que esta associação pode ser o meio para salvar a alma do membro não crente do casal. Para Paulo a evangelização começava em casa. O não crente não devia ser considerado como algo impuro que era preciso evitar com repulsa, mas sim como outro filho que devia ser ganho para Deus. Paulo sabia que felizmente é certo que muitas vezes o amor humano levou ao amor de Deus.

SERVINDO A DEUS ONDE ELE NOS PÔS
Estudo sobre 1 Coríntios 7:17-24

Paulo estabelece nesta passagem uma das primeiras regras do cristianismo. "Seja cristão onde você está." Deve ter ocorrido muitas vezes que quando um homem se convertia ao cristianismo desejava deixar seu trabalho, romper com o círculo dentro do qual se movia, e começar uma nova vida. Mas Paulo insistia em que a função do cristianismo não era outorgar ao homem uma nova vida, mas sim renovar sua velha vida. Que o judeu continue sendo judeu, o gentio, gentio; a raça e as distinções raciais não importavam. O que importava era a classe de vida que levava. Muito tempo atrás os cínicos tinham insistido em que um verdadeiro homem nunca podia ser escravo por natureza embora o fosse em sua posição; e que um homem falso nunca pode ser realmente livre, mas sim sempre é um escravo. Paulo lhes recorda que escravo ou livre, o homem é um escravo de Cristo devido ao fato de que Ele o comprou por um preço.

Paulo tem em mente uma imagem. No mundo antigo era possível que um escravo com grandes esforços comprasse sua liberdade. Ele o fazia da seguinte maneira. No pouco tempo livre que tinha realizava diversas tarefas e ganhava umas quantas moedas. Seu amo tinha direito a reclamar uma comissão até sobre esses pobres lucros. Mas o escravo depositava todas as suas moedas no templo de algum Deus. Assim, possivelmente ao cabo de muitos anos, podia comprar com o dinheiro que tinha depositado no templo. Quando isso acontecia se dirigia ao templo com seu amo; e o sacerdote lhe entregava o dinheiro, e depois simbolicamente o escravo se convertia em propriedade do deus e portanto livre de todos os homens. É nisto que pensa Paulo. O cristão foi comprado por Cristo, portanto é propriedade pessoal do Senhor; não importa qual seja sua posição, é livre perante todos os homens porque é propriedade de Jesus Cristo.

Isso é o que quer dizer Paulo nesta passagem. Insiste em que o cristianismo não faz com que o homem se rebele e se mostre queixosamente descontente com as coisas como são; faz com que em qualquer lugar que estiver, comporte-se como um escravo de Cristo. Até a tarefa mais pequena não se faz para os homens mas sim para Cristo.

CONSELHO PRÁTICO SOBRE UM PROBLEMA DIFÍCIL
Estudo sobre 1 Coríntios 7:25, 36-38

Os versículos do 25 aos 38 embora formem um só parágrafo, em realidade se dividem em duas partes, que é melhor examinar separadamente. Os versículos 25 e 36-38 se referem ao problema da virgindade, enquanto que os versículos que estão entremeio nos dão a razão pela qual se devem aceitar os conselhos de todo o capítulo. Esta seção com respeito à virgindade foi sempre problemática. Foi-lhe dado três explicações diferentes.

(1) Foi considerado simplesmente como um conselho aos pais com respeito ao casamento de suas filhas solteiras, mas não é assim; e é difícil entender por que Paulo teria empregado a palavra virgem, se queria dizer filha, e que um pai falasse de sua virgem em lugar de sua filha. Seria uma estranha maneira de falar.

(2) Considerou-se que trata um problema que mais adiante se agravou e que mais de um Concílio da Igreja encarou e tentou proibir. Certamente mais tarde surgiu o costume de que um homem e uma mulher vivessem juntos compartilhando a mesma casa e até o mesmo leito, sem manter relações físicas entre si. A idéia era que se podiam disciplinar-se para compartilhar a vida espiritual em tal intimidade sem permitir que o corpo entrasse absolutamente em sua relação, era algo especialmente meritório. Podemos entender a idéia que está atrás disto, o intento de limpar as relações humanas de toda paixão e de todas as coisas terrestres, mas está bem claro quão perigosa era esta prática, e como, em mais de uma ocasião deve ter engendrado uma situação impossível. Em tal relação, em épocas posteriores, a mulher era conhecida como a virgem do homem. Bem pode ser que este costume tivesse surgido na Igreja de Corinto. Se for assim, e em realidade pensamos que foi, o que Paulo está dizendo é o seguinte: "Se vocês podem manter essa difícil situação, se sua disciplina pessoal e domínio próprio são suficientes para mantê-la, então certamente vocês devem fazê-lo, e é melhor fazê-lo; mas, se vocês tentaram fazê-lo, e acharam que é uma carga muito pesada para a natureza humana, abandonem e se casem, e o fazê-lo não será um descrédito para vocês."

(3) Embora pensamos que esta é a interpretação correta desta passagem, há uma modificação que deve ser levada em conta. Sugere-se que havia em Corinto homens e mulheres que se casaram de acordo com a cerimônia, mas que tinham decidido não consumar seu matrimônio, mas sim viver em absoluta continência para dedicar-se totalmente à vida espiritual. Fazendo tal coisa, bem pode ser que descobrissem que o que tinham planejado era uma carga muito pesada para eles. Neste caso, Paulo lhes diria: "Se podem manter seu voto, farão muito bem, mas se não poderem, admitam francamente e mantenham relações normais entre vocês." Para nós toda a relação parece perigosa, anormal e até equivocada, e em realidade o era; e em seu momento a Igreja se viu obrigada a considerá-la como tal. Mas dada a situação, o conselho de Paulo é sábio. Em realidade diz três coisas.

(1) A disciplina pessoal e a continência são excelentes. Qualquer meio pelo qual o homem se domine a si mesmo até dominar perfeitamente cada paixão é algo excelente; mas sempre devemos lembrar que não é parte da tarefa cristã eliminar os instintos e as paixões naturais do homem; pelo contrário, o cristão as utiliza para a glória de Deus.

(2) Paulo em realidade diz: "Não façam de sua religião algo antinatural." Em última instância esta é a falta que cometem os monges, os ermitões e as monjas. Escolhem deliberadamente um modo de vida que é anormal; consideram necessário eliminar os sentimentos naturais do ser humano para ser verdadeiramente religiosos; consideram necessário separar-se da vida normal para servir a Deus. Devemos sempre lembrar que o cristianismo não surgiu para abolir a vida comum e normal, mas sim para elevá-la.

(3) No final Paulo diz "Não façam de sua religião uma agonia.

Collie Knox nos relata que quando jovem, achava que a religião era uma carga e lhe ocasionava tensões; e nos conta como uma vez um capelão muito querido se aproximou dele, e pondo sua mão sobre seu ombro lhe disse "Jovem Knox, não faça uma agonia de sua religião."

Diz-se que Burns se "sentia acossado em vez de ajudado por sua religião". Ninguém tem que envergonhar-se do corpo que Deus lhe deu, nem do coração, nem dos instintos, nem das paixões, que devido à criação de Deus habitam nele. O cristianismo lhe ensinará, não como eliminá-los, mas sim como utilizá-los de tal maneira que a paixão seja pura e o amor humano o mais nobre em todo mundo de Deus.

O TEMPO É CURTO
Estudo sobre 1 Coríntios 7:26-35

É uma lástima que Paulo não começasse este capítulo com esta seção devido ao fato de que transmite a medula e a essência de sua posição. Através de todo o capítulo deve nos ter parecido que Paulo estava menosprezando o casamento. Várias vezes dava a ideia de que o permitia só como uma concessão, e como se o concedesse para evitar o adultério e a fornicação, como se fosse um mal menor. Vimos que os judeus exaltavam o casamento e o consideravam um dever sagrado.

Segundo a tradição judaica só havia uma razão válida para não casar-se. O Rabino Ben Azai perguntou: "Por que tenho que me casar? Estou apaixonado pela lei; que outros se ocupem da continuidade da raça humana." No mundo grego, Epicteto, o filósofo estóico, nunca se casou. Dizia que fazia muito mais pelo mundo sendo um professor que se tivesse produzido dois ou três "mucosos de nariz torcido". "Como pode uma pessoa cuja função é ensinar a humanidade", perguntava, "correr para buscar em que esquentar a água para banhar o bebê?"

Mas esse não era o ponto de vista judeu e por certo tampouco era o cristão. Paulo tampouco o compartilhava. Anos mais tarde quando escreveu sua Carta aos Efésios tinha mudado, pois então utiliza a relação entre o homem e a mulher como tipo e símbolo e sinal da relação entre Cristo e a Igreja (Efésios 5:22-26). Quando escreveu aos coríntios todo o pensamento de Paulo estava dominado pelo fato de que esperava a Segunda Vinda de Cristo imediatamente e em qualquer momento. Está estabelecendo uma legislação de crise. "O tempo é curto." Cria que Cristo voltaria tão logo, que se devia deixar tudo de lado em um tremendo esforço por concentrar-se na preparação para sua chegada. d Devia-se deixar de lado a atividade humana mais importante e a relação mais apreciada, se ameaçavam interromper ou debilitar essa concentração. O homem não deve ter ataduras que o retenham quando Cristo lhe pede que se levante e ande. Só deve pensar em agradar a Cristo. Paulo nunca teria escrito isto se tivesse pensado que tanto ele como os conversos estavam vivendo em uma situação permanente. Quando escreveu aos efésios já tinha consciência de que a situação humana era permanente e considerou o casamento como a relação mais preciosa dentro dela, a única relação que podia comparar-se levemente com a relação entre Cristo e sua Igreja.

Nós devemos pensar que o lar é o lugar que nos outorga duas coisas. Ali encontramos a oportunidade mais nobre para viver como cristãos; e a tristeza é que muitas vezes se converte no lugar em que pretendemos ter o direito de ser tão briguentos, críticos e grosseiros como queremos, e onde pretendemos tratar àqueles que amamos de uma maneira que nunca usaríamos com estranhos. Também é o lugar de cujo descanso e doçura extraímos a força para viver na forma mais aproximada possível de como deveríamos viver.

Paulo neste capítulo considera o casamento como um mal menor devido ao fato de que cria que a vida tal como a conhecemos tinha poucos dias de prazo, mas chegou o dia em que o considerou a relação mais bela que existe sobre a Terra.

UM NOVO CASAMENTO
Estudo sobre 1 Coríntios 7:39-40

Paulo ainda sustenta seu ponto de vista. O casamento é uma relação que só pode terminar com a morte. O segundo casamento é perfeitamente permissível, mas Paulo preferiria que a viúva ficasse viúva. Sabemos agora que falava à luz da situação crítica em que pensava que estavam vivendo seus leitores.

Em muitos sentidos, um segundo casamento é o carinho mais elevado que aquele que sobrevive pode outorgar ao que já se foi; pois significa que sem o casal a vida é tão solitária que se torna insuportável; significa que com ele ou ela o estado matrimonial foi tão feliz que se está disposto a entrar nele novamente sem temor. Longe de ser um ato desrespeitoso, pode ser considerado como uma honra ao que faleceu.

Paulo estabelece uma condição — deve ser um casamento no Senhor. Deve realizar-se entre cristãos. Raramente um casamento misto terá êxito. Faz muito tempo Plutarco, o velho sábio grego, disse: "O casamento não poderá ser feliz se os maridos não compartilharem a mesma religião". O amor supremo chega quando duas pessoas se amam entre si, e quando seu amor se vê santificado por um amor comum em Cristo. Devido ao fato de que então não só vivem juntos, senão que também oram juntos; e a vida e o amor se combinam para ser um ato contínuo de adoração a Deus.

Os capítulos 8, 9 e 10 se referem a um problema que nos pode parecer extremamente remoto, mas que era intensamente real para os cristãos de Corinto, Para eles era um problema que exigia uma solução. Perguntavam-se se deviam comer ou não a carne oferecida aos deuses. Antes de começar a estudar estes capítulos em detalhe, faríamos bem em expor o problema e considerar em linhas gerais as soluções que Paulo oferece para os distintos casos, segundo sua incidência na vida.

O sacrifício aos deuses era uma parte integral da vida na antigüidade. Podia ser de dois tipos: público ou privado. Em nenhum dos dois casos se consumia todo o animal sobre o altar. A maioria das vezes só se queimava uma mostra do mesmo às vezes tão pequena como uma mecha de cabelo cortado da nuca da vítima. No sacrifício privado o animal era dividido em três partes. Primeiro se queimava a parte simbólica no altar. Em segundo lugar, os sacerdotes recebiam como direito uma porção que compreendia as costelas, a coxa e o lado esquerdo da cara. Em terceiro lugar, a pessoa que oferecia o sacrifício recebia o resto da carne. Com ela oferecia um banquete. Isto se fazia especialmente quando se celebravam casamentos. Algumas vezes estas festas se realizavam na casa do anfitrião e outras no templo do deus ao qual se tinha feito o sacrifício.

Temos por exemplo um papiro com um convite a comer que diz o seguinte: "Antônio, filho de Ptolomeu, convida-os para jantar com ele na mesa de nosso Senhor Serapis". Serapis era o deus a quem se havia sacrificado. O problema que os cristãos deviam enfrentar era: "Podiam tomar parte de tal festa? Podiam levar à boca a carne que tinha sido oferecida a um ídolo, a um deus pagão?" Se não podiam, obviamente teriam que deixar de assistir a todos os eventos sociais. No sacrifício público, ou seja o sacrifício devotado pelo Estado, que era muito comum, depois de a quantidade simbólica de carne requerida ser queimada, e depois de os sacerdotes terem recebido sua parte, dava-se o resto da carne aos magistrados e a outros. O que estes não necessitavam o vendiam aos mercados; e portanto, até a carne que comprava neles podia já ter sido oferecida a um ídolo e a um deus pagão. Desta perspectiva nunca se sabia quando se poderia estar comendo carne que fazia parte de um sacrifício a um ídolo.

O que complicava tudo ainda mais era o seguinte: nesse então se cria forte e pavorosamente em demônios e diabos. O ar estava cheio deles e sempre estavam buscando a maneira de introduzir-se no corpo de um homem, e, se o conseguiam, danificavam seu corpo e desequilibravam sua mente. Uma das formas em que estes espíritos penetravam era através das comidas; estabeleciam-se na comida enquanto o homem comia e entravam nele. Uma das maneiras de evitar isto era dedicar a carne a algum deus bom; e a presença do deus bom na carne levantava uma barreira contra os espírito malignos. Por essa razão, dedicavam-se quase todos os animais aos deuses antes de matá-los; e, se não se o fazia, a carne era bendita no nome de um deus antes de comê-la, como defesa. Portanto, quase não se podia comer carne que não estivesse relacionada em uma ou outra forma com um deus pagão.

Podiam comê-la os cristãos? Esse era o problema, e em realidade, embora agora nos pareça um assunto muito remoto, que só a um antiquário pôde interessar, o fato é que para os cristãos em Corinto e em qualquer cidade grega, era um problema que concernia a toda sua vida, e que tinha que ser solucionado em uma forma ou outra.

Os conselhos que dá Paulo se dividem em seções diferentes.

(1) No capítulo 8 estabelece o princípio de que, por muito que o cristão forte e iluminado se creia livre da infecção dos ídolos pagãos, embora creia que o ídolo é o símbolo de algo que não existe absolutamente, não deve fazer nada que machuque, danifique ou assombre a consciência de um irmão cuja mente não está tão esclarecida nem é tão forte como a sua.

(2) No capítulo 9 se refere àqueles que invocam os princípios da liberdade cristã. Assinala que ele tem liberdade para fazer muitas coisas, mas se abstém de fazê-las pelo bem da Igreja. Tem plena consciência da liberdade cristã, mas também tem plena consciência da responsabilidade cristã.

(3) No capítulo 10:1-13 se refere àqueles que declaram que seu conhecimento cristão e sua posição privilegiada os salvam de qualquer infecção. Cita o exemplo dos israelitas que tinham todos os privilégios do Povo Eleito por Deus e, no entanto, caíram no pecado.

(4) No capítulo 10:14-22 utiliza o argumento de que qualquer homem que se sentou à mesa do Senhor não pode fazê-lo à mesa de um deus pagão, embora esse deus não seja nada. Há algo essencialmente equivocado em levar à boca a carne oferecida a um deus falso, sendo que essa boca comeu o sangue e o corpo de Jesus Cristo.

(5) No capítulo 10:23-26 aconselha a não exagerar as coisas. Pode-se comprar em qualquer posto o que se oferece, sem fazer perguntas.

(6) No capítulo 10:27, 28 se refere ao problema do que se deve fazer nas casas particulares. Nelas o cristão comerá o que lhe ponham diante, sem fazer perguntas; mas se lhe informam, deliberadamente, que a carne que está em seu prato foi parte de um sacrifício pagão, será um desafio à sua posição como cristão e se negará a comê-la.

(7) Finalmente em 10:29—11:1, Paulo estabelece se princípio de que a conduta do cristão deve estar por cima de toda recriminação e no possível não deve ofender nem aos judeus nem aos que não o são. É melhor sacrificar os seus direitos que permitir que estes se convertam em uma ofensa.
Agora podemos passar a considerar os capítulos em detalhe.